O ano de 2022 foi de muitos desafios para o setor da heveicultura no Brasil, com o preço da borracha natural nacional sendo fortemente influenciado pelo cenário internacional.
Olhando para fora e para a grande dificuldade que o mercado interno tem para manter-se competitivo, o ano de 2023 vai se formatando ainda mais desafiador.
O cenário internacional e o impacto no setor da borracha natural no Brasil
Existem vários fatores no mercado internacional de borracha natural que atualmente influenciam de maneira negativa a capacidade do heveicultor brasileiro em escoar a sua produção, principalmente devido aos baixos preços praticados pelo novo player africano e pela grande quantidade de importação do produto acabado pelas pneumáticas aqui no Brasil.
O medo da recessão na economia global e o cenário geopolítico internacional complexo
Com os Estados Unidos e a Comunidade Européia, principais regiões consumidoras, projetando baixo crescimento ou até mesmo recessão, o preço internacional da borracha natural está em patamares baixíssimos, devido a menor demanda do que a esperada.
Outro ponto é a crise de energia desencadeada pela guerra Rússia-Ucrânia, que causou uma disparada no preço do carvão e no gás natural. O fato gerou impacto em vários setores devido a grande flutuação no preço das commodities que ainda causa disrupção na cadeia produtiva de setores importantes. Foi o caso do setor de pneus, importantíssimo para o setor da borracha.
Grande produção e fraca demanda
A grande oferta de borracha natural pelos asiáticos e agora pelo novo player africano e a baixa performance no consumo global dificultam o escoamento da produção nacional, que sofre com a competição dos grandes centros produtores e com a má gestão das políticas anticíclicas pelas autoridades brasileiras.
COVID-19 na China ainda é um problema
Agravando o desbalanço, os novos surtos de COVID-19 na China causam uma grande pressão vendedora por parte de especuladores no mercado de futuros que prevêem a estagnação ou recessão na economia chinesa e, consequentemente, da atividade fabril.
O cenário nacional do setor da borracha natural.
No cenário nacional, a demora do governo em gerenciar melhor as ações anticíclicas, vem causando grandes problemas na capacidade competitiva de todo o setor.
Ações anticíclicas são aquelas que visam minimizar os efeitos de um ciclo econômico e, no caso do setor da borracha, podemos ressaltar duas: as alíquotas de importação e a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
A alíquota zero de importação dos pneus de carga e os seus efeitos
Durante o pico da pandemia no Brasil, o Governo Federal, a fim de conter a inflação, zerou o imposto de importação dos pneus de carga. A medida era para ter durado apenas 6 meses, mas a isenção já dura quase 2 anos.
O que era para fazer parte de uma solução imediata para a inflação, tornou-se um pesadelo para a indústria pneumática, que entrou em estagnação com crescimento vegetativo de apenas 0,3% no ano de 2022.
Se levarmos em consideração apenas as vendas de pneus de carga nacionais em 2022 temos uma espantosa queda de 19,5% em relação a 2020. Os dados são da ANIP (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos).
O péssimo resultado é fruto da alta acentuada da importação de pneus de carga que, devido à competição assimétrica, viu um aumento de mais de 300% desde a isenção do imposto. A realidade é que é mais barato importar do que produzir pneus no Brasil, principalmente com o recuo no preço do frete marítimo. O que está em jogo é a sobrevivência de toda a indústria da borracha no país, com impactos financeiros e sociais imprevisíveis.
Claro que o impacto foi sentido em toda a cadeia produtiva, que começa no campo, com a heveicultura e a produção da borracha natural.
O impacto na heveicultura e na produção da borracha natural
Somando o cenário internacional com a conjuntura nacional, o resultado no campo, para o produtor, está sendo problemática. Estamos operando com valores 62% abaixo do custo operacional estabelecido pelo CONAB.
Impactados pela soma de todos os fatores apontados, o produtor encontra uma grande dificuldade no escoamento da produção nacional. Entre janeiro e novembro de 2022, atingimos o 2º maior pico de importação de borracha natural dos últimos 25 anos.
De acordo com o Conselho de Usinas de Beneficiamento da APABOR, 60% dos pedidos de compra de novembro e dezembro vindos do setor pneumático foram cancelados.
As mudanças necessárias para o setor da borracha em 2023 e o que está sendo feito.
É consenso de todo o setor da borracha natural, assim como o setor pneumático, que ações anticíclicas devem ser acionadas o mais rápido possível. Mais uma vez, o que está em jogo, é simplesmente a sobrevivência de toda uma indústria que já mostra sinais de grave disrupção.
O acionamento da Política de Garantia de Preço Mínimos (PGPM) é fundamental para o setor no curto prazo.
A PGPM é uma ferramenta estruturada pelo Governo Federal que visa proteger a renda de produtores rurais de oscilações de preços, garantindo uma remuneração mínima operacional para determinado setor.
Este instrumento, em teoria, deve ser acionado sempre que o preço de mercado estiver abaixo do mínimo fixado. Mas não é o que está acontecendo.
É esperado, devido a típica burocracia brasileira, uma demora para o acionamento do mecanismo, mas o tempo urge e a inação do Governo Federal afeta a todos. Do produtor, passando pelo seringueiro, elo mais frágil da cadeia, chegando aos trabalhadores e indústrias relacionadas à borracha natural.
Por isso o momento é de união e o papel das associações é fundamental nessa movimentação.
A APABOR e o ofício apresentado ao Ministério da Agricultura.
A Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (APABOR) apresentou um ofício pedindo o acionamento da PGPM à entidade nacional, ABRABOR. O ofício foi então encaminhado ao Ministério da Agricultura, fato que gerou em 08/11/2022 o processo 21200.006619/2022-65.
Na segunda quinzena de dezembro de 2022, o então Ministro da Agricultura Marcos Montes, assinou a portaria do preço mínimo. O próximo passo é a assinatura do Ministério da Economia e depois a da Casa Civil.
O Diretor da APABOR, Diogo Esperante, em entrevista recente ao Canal Agro Mais recentemente afirmou:
“O preço hoje no campo está 62% abaixo do custo operacional que é calculado e publicado pela CONAB, que fala hoje que o custo da cultura em seu Programa de Garantia de Preços Mínimos, tem o valor de R$ 4,46 por quilo da borracha no DRC5. Essa mesma borracha, no campo, está sendo comercializada a R$ 2,70.”
Então temos uma situação muito preocupante. Já começamos e movimentar o setor para a solicitação da PGPM desde outubro e estamos em vias de ter a portaria publicada. Esta é a solução para o curto prazo, para atender a urgência do produtor e sobretudo do seringueiro.”
A expectativa, esperada por todos e reforçada por Diogo Esperante, Diretor Executivo da APABOR, é que os leilões sejam marcados já no começo de 2023.
O acionamento da PGPM é uma ação de curto prazo, emergencial. Ações mais sistêmicas são necessárias para uma guinada verdadeira no setor.
A revisão da alíquota zero de importação de pneus de carga.
Considerada como uma solução mais definitiva para a crise no setor da borracha natural é o fim da isenção dos impostos de importação.
O Diretor da Associação Brasileira Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor), Fernando Guerra, afirma:
“O governo precisa rever imediatamente essa medida … sob risco de perdermos mais uma indústria no Brasil e, ainda, colocar em risco toda a cadeia produtiva da borracha, onerando diretamente e imediatamente os seringueiros e seringalistas do Brasil”,
A expectativa era de que a alíquota zero fosse revista na última reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), em dezembro de 2022. Mas não foi o que ocorreu e o assunto foi apresentado para o Governo de Transição e espera revisão da Gestão Lula.
O que esperar de 2023 para o setor da borracha natural.
O cenário é complexo para 2023, mas o acionamento da PGPM e da revisão da alíquota de importação devem trazer certo alívio para o produtor.
Olhando para fora o preço da borracha natural começa a se recuperar, o que pode ajudar bastante a competitividade nacional.
A projeção é que a produção não aumentará em grande escala nos 3 maiores países produtores, Tailândia, Indonésia e Malásia. Isso deve-se a doenças nas árvores, condições climáticas erráticas e baixo uso de fertilizantes devido aos altos custos. Os problemas dos gigantes se agravam com a seca e a baixa disponibilidade de seringueiros devido aos baixos preços da borracha natural no mercado internacional.
A mudança do cenário interno e externo, com a economia mundial se recuperando durante o ano de 2023, projetam um cenário mais positivo a partir do segundo semestre.
Por isso, até lá devemos focar no que conseguimos mudar, fazendo pressão nas entidades federais e participando mais ativamente das associações. É, também, um ótimo momento para olhar para dentro do seringal, diminuindo os custos e melhorando a eficiência da sangria, trabalhando tecnicamente a propriedade a fim de colhermos os resultados quando o cenário reverter. Pode apostar, estamos nessa juntos.